Entrevista com José Humberto Villela Martins
Por Larissa Vieira
Zebu construído com olho e números
Andar pelo Parque Fernando Costa, durante a ExpoZebu, não foi tarefa simples para o pecuarista José Humberto Villela Martins, titular da Fazenda Camparino, em Cáceres/MT. A cada passo, ele era cumprimentado por amigos, admiradores, inclusive de outros países. Aos 80 anos de idade (em 28 de julho celebrará mais um aniversário), José Humberto é uma das maiores referências para todas as gerações de criadores, independente da raça. Mineiro de Ituiutaba, está há três décadas no Mato Grosso, mas já contabiliza mais de 60 anos de seleção de zebu. Na tarefa de selecionar o melhor de cada raça que trabalha, ele conta com o apoio dos netos, mas nem pensa em parar. A pecuária é um negócio que está em seu sangue e produzir animais melhoradores é seu desafio diário. Nesta entrevista à revista Pecuária Brasil, ele conta sua trajetória, avalia o melhoramento genético do zebu e os rumos da pecuária nacional.
Quais raças seleciona atualmente?
José Humberto Villela Martins – Na verdade, tenho vontade de criar todas as raças zebuínas, mas, como não dá, optei por selecionar Nelore, Nelore Mocho, Sindi e Gir Leiteiro. O Nelore é uma grande paixão que tenho, uma raça sem limites em termos de mercado. O Sindi também é espetacular, muito rústico, fértil, com um futuro imenso pela frente. Não tenho dúvida de que ela será a segunda raça do Brasil e o mercado está muito bom, com ótimas médias nos leilões. E o Gir Leiteiro está mostrando seu avanço ao mundo. Considero a raça com maior evolução entre os zebuínos, exportando sua genética para a América Latina e ajudando demais o Brasil a produzir um Girolando de qualidade que está ocupando espaço na produção de leite no país. A quantidade de leite que essas vacas Gir Leiteiro estão produzindo é impressionante.
Do início da seleção do Nelore há mais de 60 anos até hoje, o que avançou?
José Humberto Villela Martins – A evolução do Nelore foi uma coisa assustadora, principalmente nos últimos 20 anos. Antes, os criadores trabalhavam só no achismo, o que levava a muitos erros. Hoje, existem inúmeros recursos para que a seleção seja mais precisa, como a genômica, por exemplo. Temos no mercado touros com excelente avaliação genética e genômica. Claro, que ainda tem muita coisa errada por aí na seleção da raça. Quando o assunto é planejamento genético, é importante acompanhar o que o mercado quer, mas com certa cautela para não acabar produzindo um animal fora do padrão racial. Para fazer um gado branco com avaliação genética basta um computador e um bom ar-condicionado. Agora, fazer Nelore é outra coisa. A seleção da raça nos últimos tempos focou demais apenas em números, que são importantes, mas precisam ser combinados com o fenótipo. Alguns criam o Nelore sem função, só um bibelô. Felizmente, a maioria do Nelore é muito produtivo, com excelente ganho de peso, precoce, podendo ser abatido aos 18 meses. A evolução da raça é imensa. Se todos trabalharem para que ela seja o mais precoce possível, vamos ver um Nelore competindo de igual para igual com qualquer raça bovina do mundo.
No melhoramento genético do rebanho, quais são os principais critérios da Camparino?
José Humberto Villela Martins – Vivo só de fazenda e não brinco de criar gado. Aqui, é o zebu é quem paga a conta. Por isso, não abre mão de uma forte pressão de seleção. As fêmeas que não emprenham ao final da estação de monta são descartadas e menos de 50% são reservadas para a Camparino a cada safra. Em relação aos touros, damos preferência em utilizar reprodutores jovens, de dois a três anos de idade, sejam de cria nossa ou de criatórios criteriosos na seleção de Nelore, e recém colocados no mercado. Gosto de ser o primeiro a colocar uma safra do animal no mercado. Também prezo muito pela linhagem do touro. É preciso ver para crer se o reprodutor é tudo aquilo que apontam as avaliações genéticas. Por isso, puxo a ‘capivara’ toda dele, até a terceira geração, para ver se não tem um ‘lobisomem’ ou um ‘saci pererê’ escondido na genealogia. Tenho uma equipe grande e muito competente que trabalha aqui há anos e me auxilia em todo esse trabalho, mas não abro mão de até hoje apontar os rumos da seleção na Camparino.
Como deve ser o Nelore produtivo?
José Humberto Villela Martins – O Nelore tem de cumprir sua função, que é exclusivamente a produção de carne. O animal tem de produzir o máximo possível, ser bom de aprumo, ser fértil, de tamanho mediano e pesar muito. A vaca precisa criar bem o bezerro. Ou seja, um Nelore que dá retorno. E as ferramentas de seleção estão aí para ajudar a fazer um animal produtivo. Todo meu rebanho é avaliado pelos programas de melhoramento ACNP, Geneplus/Embrapa e PMGZ. Faço ultrassonografia de carcaça, mensuração de fertilidade nos machos dos 12 meses aos 14 meses e todo o gado é genotipado. Uso tudo que é possível para chegar a esse animal altamente eficiente. E o olho do criador é muito importante. Acompanho tudo.
A Camparino realiza leilões muito concorridos. Como foi na edição deste ano durante a ExpoZebu?
José Humberto Villela Martins – A concorrência no mercado de touros é muito grande hoje em dia. Você liga a televisão e sempre tem vários acontecendo. Mesmo assim, estamos conseguindo boas médias, o que atribuo ao fato de conhecer a fundo o que o mercado pecuário quer. Sou produtor de boi de corte e uso essa minha experiência para produzir touros capazes de atender às reais demandas da indústria frigorífica. Este ano tivemos bons resultados no leilão da Camparino na ExpoZebu. Os amigos prestigiaram mais uma vez nosso evento.
Para quem pretende começar na pecuária, qual conselho daria?
José Humberto Villela Martins – Tem de entrar arrebentando, adquirindo animais de alto nível e multiplicá-los para pular etapas. É muito melhor começar com 10 bons animais do que com 100 medianos, pois, assim demora muito mais tempo para fazer um bom plantel. Hoje, a genética é mais democrática. Com ferramentas como transferência de embrião, IATF e outras, o criador alça voo e daqui cinco anos competirá com a elite da seleção no Brasil. Antigamente, o gado era muito mais caro. O povo fica assustado com os preços de hoje, mas 40 anos atrás, no leilão da Mata Velha, precisava de mil boi de corte, de dois anos e meio, para comprar um lote. Hoje precisa de muito menos.
Falando em sucessão, como trabalha isso na Camparino?
José Humberto Villela Martins – Para conduzir a fazenda, tenho uma equipe de muita confiança que trabalha comigo. Muitos entraram meninos, mais de 20 anos atrás, e fiz questão de dar um pedaço de terra a cada um para que se sentissem motivados a continuarem trabalhando na Camparino. Ao meu lado, ainda tenho meus netos. Eles trabalham no negócio. Dois deles, a Natália e o Mateus, estão comigo constantemente para aprenderem tudo sobre pecuária. É uma alegria tê-los ao meu lado, pois venho de uma família de pecuaristas. Meu avô e meu pai atuavam somente na produção de gado de corte. Quando tinha 20 anos, decidi iniciar um rebanho puro de zebu e agora espero que esse trabalho continue com os meus netos.